domingo, 14 de agosto de 2016

Os Caranguejos


É muito curioso o que se diz do caranguejo pela expressão de algumas locuções populares: "Perdeu a cabeça por causa de camaradas; não morre enforcado, porque não tem pescoço; e por morrer um caranguejo não se cobre o mangue de luto"; e o povo diz ainda que "o caranguejo só é gordo nos meses que não têm R: maio, junho, julho e agosto". Essas informações são dadas incompletas pelos pescadores, dizendo sempre ter ouvido, quando meninos, muitas estórias de caranguejos esquecidas depois. Alguns pescadores dos mangues contam lendas e superstições sobre os crustáceos.

Uma das lendas diz que os caranguejos são governados por uma espécie de rei, um caranguejo cujo casco mede uns vinte centímetros e tem patas enormes. Chamam-no de garrancho. É um crustáceo esverdeado, misterioso, dificilmente visto. Vive no fundo da lama, num buraco muito profundo, com a entrada escondida. Nenhum pescador de mangue o vê duas vezes na vida. O garrancho só deixa o buraco para sair uma vez por ano, à meia-noite da Sexta-Feira da Paixão. Anda até o primeiro cantar do galo. Volta, mete-se em casa e não há mais quem o enxergue.

Quem conseguir arrancar ao menos uma pata ao garrancho está com a vida garantida, porque nunca mais lhe faltará caranguejo, siri ou goiamum. Basta trazer a pata do garrancho no bolso e riscar com ela na lama do mangue.

Havia um pescador que dizia que era mentira quando se afirmava ter visto o garrancho ou conseguido uma patinha para dar sorte. Ele havia prendido um, enorme na gamboa da Garatuba Grande, amarrara-o com uma embira num galho de mangue e ao voltar encontrara o cipó intacto, com o mesmo nó e do garrancho nem rasto. Este é o crustáceo que tem a figura de uma moça encantada no casco, muito mais nítida e perfeita que seus vassalos. E tem também a cruz, bem clara. Por isso sai no dia em que a cruz se ergueu com o Salvador. Essa tradição do caranguejo com uma cruz, tem registo velho e área geográfica de crendice bem longe dos mangues do Rio Grande do Norte. São Francisco Xavier atirou ao mar, perto das Molucas, na Oceania, seu crucifixo para acalmar uma tempestade. Um caranguejo susteve o crucifixo no casco e entregou a relíquia ao santo, quando este desceu na primeira praia. Como lembrança ficou uma cicatriz cruciforme no casco.

No dia do Domingo de Ramos, na Semana Santa, há uma Procissão de Caranguejos. Dizem que os caranguejos faziam, igualmente, sua procissão de Ramos. À noite desse domingo, saíam de patas erguidas, sustendo raminhos de mangue.

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